11 de maio de 2022

"Arte em Pauta": não reduza a arte ao seu nível ou falta de interesse

"Arte em Pauta"

 Com Marcela Lanna  /  @marcelalanna

 

Não reduza a arte ao seu nível ou falta de interesse


Gosto muito deste exemplo. Em 1991, uma obra de arte produzida pelo artista cubano Félix González-Torres foi exposta no Art Institute of Chicago. Intitulada “Retrato de Ross em L.A.”, ela consiste numa pilha de doces embrulhados individualmente em celofane multicolorido pesando idealmente 79kg disposta no chão em um canto do museu. 

Para ilustrar os tipos de expectadores, criei particularmente quatro categorias. São elas: modelete, lembrancinha, manchete e alto-falante. Vamos ver como elas visitam e interagem com esta obra em especial. 

O primeiro tipo de expectador ou visitante logo que avista a obra de arte não vai nem chegar perto e já vai pensar “mas isso é uma obra de arte? Arte contemporânea é tudo doido, não entendo! Meu filho também joga bala no chão”. E vai sair ligeiro desfilando como um modelo para outra obra de arte. Na verdade, ele vai desfilar rapidamente por todo museu não se dando o tempo de curtir e entender nem o conceito central da exposição. Ele modela e desfila tão rápido quanto nas passarelas. E está ok.

A segunda categoria é o lembrancinha. Aquele que sempre quer levar uma recordação pra casa. Um catálogo, um panfleto, uma selfie, um cartão de visitas, ou até um pedaço de uma obra de arte. Para esta obra do exemplo em específico, ele vai buscar saber se pode pegar uma bala para chupar. Vai confirmar com o segurança se é permitido e, ao saber que a obra foi feita justamente para isso, ele escolherá sua cor favorita, pegará sua bala e seguirá em direção a próxima obra de arte, na qual vai fazer a mesma coisa. Passar, pegar uma lembrancinha, degustar e partir para a próxima - arte e lembrancinha. E está ok.

Já o terceiro tipo de expectador vai se deparar com a obra no chão. Vai chegar perto para ver se é uma bala de verdade. Em seguida, vai ler a plaquinha e o texto da obra para tentar entender melhor que diabos aquelas balas fazem no chão sujo. Ele e o amigo trocarão ideias e opiniões enquanto chupam as balas. De fato, eles leram a “manchete e seu subtítulo”, entenderam a proposta do artista e vão de obra em obra no museu lendo as manchetes, discutindo e, principalmente, se divertindo. E está ótimo.

O quarto e último tipo de expectador a visitar um museu é o tipo que faz uma pesquisa prévia sobre a exposição, já sabe quem é o artista, qual o conceito central da curadoria e o que a crítica está dizendo. Ao visitar, lê tudo que pode, tira foto dos textos para ler depois – o que possivelmente não vai acontecer pela quantidade de fotos que vai registrar. A visita ao museu vai demorar consideravelmente, os amigos vão esperar ele no café ou vão embora. Ele vai pegar os catálogos para ver depois com calma. E, no seu “depois com calma”, provavelmente na mesma noite, ele não somente vai contar sobre sua experiência a todos os entusiastas conhecidos, como aos seus seguidores nas redes sociais. Ele não se aguenta. Está super animado. Foi tão legal que ele precisa que contar, como que com um alto-falante, a todo mundo tudo sobre o “Retrato de Ross em L.A.”. Ele também vai criar stories e vídeos. Ou apenas vai escrever um post ou, quem sabe, uma coluna ;).

E sabe o que ele vai contar? 


Félix González-Torres, morreu em 1996 por complicações relacionadas ao HIV, tinha 38 anos e já tinha se despedido, em 1991, de seu companheiro Ross Laycock, que também padeceu da mesma doença. A pilha de balas representa Ross são, com seu peso ideal, na nossa frente. A medida que as pessoas pegam as balas, a presença de Ross começa a diminuir, é uma recordação clara da devastação que é o HIV.

Nos anos anteriores, no final da década de 1980, o HIV devastava os Estados Unidos, tratava-se de um inimigo invisível que, por ignorância e preconceito, era relacionado com a homossexualidade. Artistas como González-Torres, Keith Haring, David Wojnarowicz e Peter Hujar viviam sob a ameaça da morte e deterioração do corpo. Ser um homem homossexual durante o pico da epidemia de HIV significava estar no olho do furacão. 

Ao final do dia, a orientação imposta por González-Torres era que o museu reposse em quantidade de balas o peso de 79kg da obra, fazendo com que Ross “retomasse à vida saudável”.  O artista insistia na sutileza da mensagem e em obras que não delatassem a real natureza da sua mensagem. O espectador não poderia rotular essas instalações como arte homossexual e isso permitiria que elas chegassem a mais espaços e que conseguissem invadir silenciosamente o panorama artístico mundial sem disparar alarmes. 

Ao fazer sua obra viajar e ser exposta, também estendia sua própria realidade de um homem jovem que padece de HIV, um homem que dedica grande parte de seu trabalho à memória de Ross, seu companheiro, seu amante, e desta maneira conquistava espaço para ambos, reclamava novas vidas para Ross e possibilidades de moldar a ideia coletiva que rodeava a homossexualidade a final dos anos 80 e que, entre outras coisas reprováveis, caracterizava-a como perversa. 

É impossível ver um obra de González-Torres e não sair comovido por sua acessibilidade, sua beleza aparente, sua maneira sutil de disposição diante do espectador. Isso faz com que o expectador estabeleça uma relação estética com a obra antes de vinculá-la a ideias particulares, permitindo que o entendimento seja mais amplo, sem julgamentos prévios e mais democrático. Se se trata de alguém com ideias negativas com relação à homossexualidade, se apelará a sensações puras sem despertar um ímpeto negativo e violento. Esta obra de artepode produzir mudanças mais significativas do que aquelas que nascem do conflito, porque pode tocar levemente a mente e o coração de quem vê e se dá ao trabalho de entender. 

Uma pilha de balas coloridas no chão sujo de um museu nunca é uma pilha de balas coloridas no chão sujo no canto de um museu. Basta, no mínimo, você ler a “manchete”. 

E aí? Se identificou com qual categoria?   

29 de maio de 2025
Com inscrições abertas até segunda-feira (02/06), o edital Prêmios Cultura Viva é uma oportunidade para fazedores de cultura impulsionarem seus projetos. Oferecida pela Prefeitura de Niterói, a iniciativa vai fomentar Pontos e Pontões de Cultura com R$ 760 mil. Ao todo, serão selecionados 40 projetos. As inscrições são gratuitas e podem ser realizadas pela plataforma do Colab. O edital integra a Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB/MinC) e é conduzido pela Secretaria Municipal das Culturas (SMC). “Os Pontos e Pontões são uma parte essencial da nossa rede de cultura em Niterói. Através dos recursos da Lei Aldir Blanc, lançamos dois editais que somam mais de R$ 3 milhões em investimentos voltados ao fortalecimento da produção cultural na cidade. Para a Prefeitura de Niterói, investir nesses espaços é um passo importante para impulsionar quem luta pela cultura na ponta, junto da população”, reforçou o prefeito de Niterói, Rodrigo Neves. O Edital Prêmios Cultura Viva vai reconhecer e premiar 40 iniciativas culturais de base comunitária desenvolvidas por pessoas jurídicas sem fins lucrativos ou por coletivos culturais informais representados por pessoas físicas. Cada uma das 40 selecionadas receberá R$ 19 mil. O edital também estabelece cotas para garantir a diversidade entre os premiados, com vagas reservadas para pessoas negras, indígenas, com deficiência, mulheres e trans. Também parte das ações integradas à PNAB, a Prefeitura lança o Edital Aldir Blanc de Fomento à Cultura. Serão destinados R$ 2.250.000,00 para apoiar 45 projetos culturais apresentados exclusivamente por pessoas jurídicas, com ou sem fins lucrativos, que estejam estabelecidas em Niterói e tenham finalidade artística e cultural. Ao todo, os dois editais somam R$ 3 milhões de investimento. “Os Pontos e Pontões de cultura da cidade são verdadeiros guardiões das culturas tradicionais e de base comunitária. Preservam a memória, a história e o fazer artístico de Niterói. Este edital dedicado a esses mestres e mestras é uma forma de garantir o direito à cultura àqueles que se dedicam em manter viva nossa herança cultural”, afirmou o secretário das Culturas, Leonardo Giordano. As inscrições são realizadas por meio da plataforma Colab, ferramenta digital que conecta cidadãos e governos com foco em cidadania digital e governança colaborativa. O edital também será disponibilizado em Libras, garantindo acessibilidade nas informações. Para apoiar os proponentes no processo de inscrição, a Secretaria das Culturas promoverá atendimentos presenciais na quinta-feira (29), às 17h, no Espaço EcoCultural, na Região Oceânica, e no sábado (31), das 10h às 14h, na Casa Cultura é um Direito, no Ingá.
27 de maio de 2025
Quando três amigos, muito próximos, e que sabem tudo da vida uns dos outros se juntam para abrir uma discussão que reflita sobre a construção da masculinidade, não tem como o roteiro dar errado! Assim surgiu a ideia de “Por que não nós?”. A peça é um mergulho profundo e ácido no psiquismo do que é ser homem em nossa sociedade, partindo da narrativa de três personagens sarcásticos e hilários que debatem um conceito muito atual: a masculinidade tóxica e suas consequências. No palco, Samuel, Amaury e Felipe convidam o público a olhar para essa questão que se faz necessária, rindo e emocionando, tocando em pontos como as perguntas: existe diferença de gênero? Ou existe relacionamentos desigualitários? E ainda o autocuidado.  “Quisemos entender como somos atingidos pela contenção do que sentimos, mesmo rindo das ansiedades e das angústias que essa contenção provoca”, explica Felipe Velozo. A masculinidade tóxica é percebida como um conjunto de ideias e mecanismos voltados para que os homens se encaixem em padrões que mantenham um equilíbrio social baseado na violência. Até que essa violência se volta contra os próprios homens em uma espiral de manifestações que incluem a exacerbação da virilidade, o machismo, a violência contra a mulher, homofobia e transfobia. Apesar disso, a história promete divertir e provocar a plateia, descortinando uma série de assuntos que passam pela saúde emocional, estigmas e preconceitos. “A história fala de amizade, de educação emocional, sobre como os homens não são criados para falar, para discutir as emoções. É um espetáculo sobre isso. Sobre a dificuldade que o homem tem em se relacionar emocionalmente”, destaca Samuel de Assis. O universo impresso neste espetáculo é foco constante de campanhas de saúde mental, palestras, livros, teses, estudos culturais e sociais, reportagens, filmes e, agora, será tema de uma peça. “O teatro pode, e muito, contribuir para os debates que brotam das questões de gênero, no mundo em que vivemos, que estão fervilhando e reclamando outros modos de discussão”, diz Amaury Lorenzo. SERVIÇO: “Por que não nós? Com Samuel de Assis, Amaury Lorenzo e Felipe Velozo Dias 07 e 08 de junho, sábado e domingo, às 19h Teatro da UFF: Rua Miguel de Frias, 9, Icaraí, Niterói - RJ Classificação Indicativa: 10 anos Duração: 100 minutos Ingressos: R$ 90,00 (inteira) e R$ 45,00 (meia) Vendas: http://www.guicheweb.com.br/centrodeartesuff